Descascar mais, desembalar menos: regra de ouro da educação alimentar

Por Mariana Claudino*

Uma das grandes preocupações das famílias, em relação à alimentação das crianças, é a oferta de produtos com embalagens chamativas e cada vez mais coloridas nas prateleiras dos supermercados. Pensando nisso, como trabalhar este tema com as gerações mais novas – e com os próprios adultos – mostrando de forma educativa a importância de descascar mais e desembalar menos?

Ainda pouco conhecido do grande público, o Guia Alimentar para a População Brasileira, lançado em versão atualizada pelo Ministério da Saúde em 2014 (a anterior foi publicada em 2006), é um excelente aliado. Considerado um dos mais atuais e melhores do mundo por diversas entidades ligadas à nutrição e à alimentação adequada e saudável – que é um direito humano básico, o documento está disponível de forma gratuita e online através do endereço https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf. O Guia é um instrumento valioso e importante para apoiar e incentivar práticas alimentares saudáveis no âmbito individual e coletivo, além de subsidiar programas e ações que tenham o objetivo de apoiar, proteger e promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional da população. O objetivo é que ele seja utilizado amplamente: na casa das pessoas, nas unidades de saúde, nas escolas e em todo e qualquer espaço em que atividades de promoção da saúde tenham lugar.

O documento apresenta os alimentos em três principais categorias, definidas de acordo com o tipo de processamento empregado em sua produção. A primeira reúne os alimentos in natura e minimamente processados. São aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (folhas, frutos, ovo, leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza. Os minimamente processados são os in natura que foram submetidos a pequenas alterações: grãos secos, polidos e empacotados na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado. O Guia defende que estes alimentos devem ser a base de uma alimentação nutricionalmente balanceada, saborosa, culturalmente apropriada e ambientalmente saudável.

Já os alimentos processados são fabricados pela indústria com a adição de sal ou açúcar ou outra substância de uso culinário a alimentos in natura, para torná-los duráveis e mais agradáveis ao paladar. São produtos derivados de alimentos e reconhecidos como versões dos alimentos originais. Entre eles, legumes em conserva, frutas em calda, sardinha e atum enlatados; queijos, frutas e pães feitos de farinha de trigo. Embora o alimento processado mantenha a identidade básica e a maioria dos nutrientes do alimento do qual deriva, os ingredientes e os métodos de processamento utilizados na fabricação alteram de modo desfavorável a composição nutricional dos alimentos. A adição de sal ou açúcar, em geral em quantidades muito superiores às usadas em preparações culinárias, transforma o alimento original em fonte de nutrientes cujo consumo excessivo está associado a doenças do coração, obesidade e outros males crônicos. Por isso, o Guia defende que estes alimentos até podem integrar a alimentação desde que consumidos em pequenas quantidades. Desta forma, eles devem ter seu consumo limitado: sempre como parte ou acompanhamento de preparações culinárias com base em alimentos in natura ou minimamente processados.

Por fim, os alimentos ultraprocessados que, por conta de sua formulação e apresentação, tendem a ser consumidos em excesso e a substituir alimentos in natura ou minimamente processados. As formas de produção, distribuição, comercialização e consumo afetam de modo desfavorável a cultura, a vida social e o meio ambiente: a fabricação destes alimentos, feita em geral por indústrias de grande porte, envolve diversas etapas e técnicas de processamento, além de ingredientes como sal, açúcar, óleos e gorduras e, ainda, substâncias de uso exclusivamente industrial. Quando presentes, alimentos in natura ou minimamente processados representam proporção reduzida dos ingredientes de produtos ultraprocessados. Entre alguns exemplos destes produtos, estão biscoitos, balas, barras de cereal, hambúrgueres e extratos de carne de frango ou peixe empanados do tipo nuggets, salgadinhos “de pacote”, macarrão, pães para hambúrguer ou cachorro quente, pães doces ou produtos panificados com ingredientes que incluem substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos. Os ingredientes principais dos alimentos ultraprocessados fazem com que, com frequência, eles sejam ricos em gorduras ou açúcares e, muitas vezes, simultaneamente ricos em gorduras e açúcares, além de pobres em fibras. É comum que apresentem alto teor de sódio, por conta da adição de grandes quantidades de sal, necessárias para estender a duração dos produtos e intensificar o sabor, ou mesmo para encobrir sabores indesejáveis de aditivos ou de substâncias geradas pelas técnicas envolvidas no ultraprocessamento.

Por isso, após apresentar as três categorias, o Guia fala sobre a “regra de ouro”: preferir, sempre, os alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados. Em outras palavras: optar por água, leite e frutas no lugar de refrigerantes, bebidas lácteas e biscoitos recheados; não trocar comida feita na hora, fresquinha, por produtos que dispensam preparação culinária e, ainda, preferir sobremesas caseiras, dispensando as industrializadas. O Guia não proíbe nenhum alimento, mas mostra, com dados, os mais indicados, além de diferenciar os que devem ser “preferidos”, os que devem ser “limitados” e os que devem ser “indicados”. Quanto mais informação e domínio deste assunto, melhores escolhas faremos para uma alimentação nutricionalmente balanceada, saborosa, culturalmente apropriada e ambientalmente sustentáveis e saudáveis. Quanto mais falarmos e debatermos sobre estas três categorias, sem terrorismo, mas com clareza – inclusive com as crianças –, mais chance de termos ambientes alimentares saudáveis ao longo dos anos.

 

 

* Mariana Claudino é jornalista, nutricionista, pós-graduada em Comportamento Alimentar, co-fundadora do movimento Põe no Rótulo, membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, ex-aluna e mãe da EDEM e integrante do Departamento de Comunicação da escola.

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