Redes sociais, bem-estar e saúde mental de crianças e adolescentes

Por Paula Martini e Talita Figueiredo

“Nossos filhos se tornaram participantes inconscientes de um experimento de décadas”, diz o comunicado recém-publicado da principal autoridade de saúde do governo dos Estados Unidos, Vivek Murthy.

Lembra hoje cedo, quando você foi dar aquela olhadinha no celular e, ao se dar conta, estava há meia hora rolando o feed do Instagram? Precisamos conversar sobre os mecanismos que têm esse poder sobre nós, adultos, e que impactam o bem-estar e a saúde mental de nossas crianças e adolescentes de forma negativa e com extensão ainda desconhecida.

A lógica da timeline é simples: um fluxo contínuo alimenta as redes de informação (e de desinformação) para capturar nossa atenção e nossos dados. São milhares de posts, de vídeos e de indicações segmentadas para caber exatamente no gosto do usuário, e, se usando de mecanismos de psicologia comportamental iguais aos dos caça-níqueis, envolvê-lo para que ele não saia da plataforma.

O problema fica ainda mais sério quando o usuário é adolescente ou criança, conforme o comunicado mencionado: “No início da adolescência, quando as identidades e o senso de autoestima estão se formando, o desenvolvimento do cérebro é especialmente suscetível a pressões sociais, opiniões e comparações de pares”. Os adolescentes “não são apenas adultos menores”, disse ainda Murthy em entrevista ao New York Times. “Eles estão numa fase diferente de desenvolvimento e numa fase crítica do desenvolvimento cerebral.”

Estudos mostram que jovens da geração Z (nascidos entre 1997 e 2012) passam até nove horas por dia com os olhos grudados nas telas de seus celulares, e que o excesso de tempo conectado piora a saúde mental – e as meninas são as mais afetadas. A busca desenfreada por aprovação em forma de seguidores e curtidas nas redes sociais afeta principalmente as meninas, que enfrentam uma pressão cada vez maior para se comparar e ganhar status social online.

Inserida no contexto da hipervelocidade, a criança da contemporaneidade muitas vezes não aprende a usufruir do ato contemplativo. Hiperestimuladas, se mostram entediadas quando não estão em alguma atividade e muitas acabam usando jogos ou redes sociais no dispositivo móvel como forma de se distrair.

Quanto mais cedo, e por quanto mais tempo nossas crianças e adolescentes passam imersos no ambiente digital, mais benefícios eles podem obter das potencialidades que o universo online descortina. Mas também mais riscos. O psicólogo Cristiano Nabuco, PhD em psicologia clínica de dependências tecnológicas, explicou ao G1 que o perigo da exposição exagerada de crianças e adolescentes a telas é que o cérebro libera dopamina ao ser recrutado por estímulos rápidos, se tornando uma forma de pensamento preponderante. Para ele, isso vai ao ponto de prejudicar o raciocínio. “Quando você dá para esses jovens que passam muito tempo em frente às telas um material que envolve um raciocínio mais denso e mais profundo, eles não conseguem fazer”, diz.

Algumas já apresentam nomofobia (medo irracional de ficar sem o seu celular ou ser impedido de usá-lo por algum motivo) ou FOMO (Fear of Missing Out, síndrome que se caracteriza pela necessidade constante de saber o que outras pessoas estão fazendo – o que pode levar a crises de ansiedade e até depressão).

Segundo o professor Jonathan Crary (2016), “uma das formas de incapacitação em ambientes 24/7 é a perda da faculdade de sonhar acordado ou de qualquer tipo de introspecção distraída que costuma ocorrer nos interregnos de horas lentas ou vazias. Uma das atrações dos sistemas e produtos atuais é a velocidade da operação: tornou-se intolerável esperar que um dispositivo carregue ou se conecte”.

Celular e redes sociais podem trazer riscos quando não mediados por adultos e quando não há conscientização crítica por meio de um letramento digital. Mas é possível fazer uso saudável e desfrutar de uma série de coisas positivas, como conexão, criatividade e domínio de habilidades.

Entre as competências ensinadas às crianças, deve estar a de reconhecer o momento de se afastar do ritmo alucinante dos jogos, das redes sociais, da conexão online e partir em busca das conexões offline, dos momentos contemplativos e de ócio.

* Paula Martini é pesquisadora, educadora e palestrante, interessada pelos aspectos humanos da transformação digital, área de atuação desde 2005. Fundadora da Internet das Pessoas, iniciativa de letramento digital e educação midiática. Criadora e professora do curso de Educação Midiática do Polo Educacional SESC. Mãe do Arthur, de 9 anos.

* Talita Figueiredo é jornalista, mestre em Ciência da Informação, doutoranda em Ciência da Informação. Pesquisa o uso de tecnologias por crianças. Mãe do Tiago, de 12 anos.

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