Os golpes de ontem e hoje: educar para a memória e o Nunca Mais

Por Luciana Lombardo*

Dia 30 de março, a EDEM organizou a mesa de conversa “Para nunca esquecer: 1964 e outros golpes no Brasil”, com a presença de Nadine Borges, Secretária de Direitos Humanos da cidade de Niterói, e José Manoel Gaspar, professor de História do Ensino Médio.

A atividade, voltada para o Ensino Médio e o 9º ano, foi organizada pela equipe pedagógica da Edem em parceria com o Laboratório de Direitos Humanos e Educação Antirracista. O debate reflete uma das propostas do laboratório: educar para o Nunca Mais. A expressão tem sido usada desde a redemocratização do país na década de 1980 e se refere à necessidade de educar as novas gerações sobre o passado traumático da ditadura militar, na tentativa de garantir que as atrocidades cometidas no período nunca mais se repitam.

As investigações realizadas pelas Comissões da Verdade e por pesquisadores do tema confirmam que após o golpe de 1964 houve graves violações de direitos humanos no Brasil, tortura, prisões ilegais, mortes e desaparecimentos de opositores políticos, além de censura e repressão generalizada. Porém, ao final do período da ditadura, prevaleceu a impunidade de agentes responsáveis por crimes contra a humanidade através da lei de Anistia.

Nos últimos anos, ganharam força discursos negacionistas, comemorações do golpe e manifestações abertamente golpistas em defesa de intervenções militares. Por isso mesmo, educar para o Nunca Mais ainda é uma tarefa necessária e cada vez mais urgente no Brasil de hoje. Significa transmitir às gerações futuras a importância dos valores democráticos, da garantia dos direitos humanos e da necessidade de lutar contra a opressão e a injustiça.

O Brasil não foi o primeiro país onde houve demandas por uma educação para a memória, que tem raízes em outras experiências históricas bem conhecidas. Na Alemanha, após a Segunda Guerra, as políticas de memória tiveram papel central como estratégia para a não-repetição da barbárie do Holocausto, pautando a construção de memoriais, museus e programas educativos. Na Argentina e no Chile, o pós-ditadura também foi acompanhado por investimentos em educação e espaços de memória. A pedagogia da memória tem sido a principal ferramenta de não-repetição em todas essas experiências.

Entende-se que a memória dos passados sensíveis ou traumáticos, quando trabalhada na escola e em outros espaços educativos, é peça-chave para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Por meio dela, se procura formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, capazes de exercer a cidadania de forma crítica e participativa, comprometidos com valores como a tolerância, a justiça, a liberdade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos.

Além disso, as memórias da ditadura não são as únicas experiências traumáticas muitas vezes silenciadas ou esquecidas. A educação para a memória também se volta para outros passados violentos que atravessam a história do Brasil desde sua colonização até o presente, como o genocídio indígena e a escravização negra.

Assim, educar para os Direitos Humanos, para a memória e para o Nunca Mais é investir na formação de uma cultura de direitos e de respeito às diferenças, combatendo a violência, a intolerância e o autoritarismo em todas as suas formas. Isso envolve o ensino de história e de outras disciplinas que permitam compreender os conflitos sociais e políticos, bem como promover a diversidade cultural e o pensamento crítico. Em síntese, lembrar daquilo que muitas vezes se gostaria de esquecer não é um retorno ao passado, mas uma maneira de enfrentar a barbárie do presente e construir outros futuros.

* Luciana Lombardo é historiadora, doutora em antropologia, membro da Comissão da Memória e Verdade da UFRJ, membro da REBEDH, mãe da EDEM e integrante do LabDH-EDEM

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Gladys Restrepo
Gladys Restrepo
1 ano atrás

Maravillosa iniciativa pedagógica.
Excelente texto, cheio de verdade.

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